domingo, 10 de dezembro de 2006

TERMÔMETRO DE AUTO ESTIMA


Munch - Vampyr, 1893



TERMÔMETRO DE AUTO ESTIMA



Decidida Fanny saíra com intenções inescrupulosas escritas na testa...
Colocou o vestido bege com decote proposital pensando:“ Hoje eu como!”
Prendeu os cabelos lisos disfarçando desleixo, calçou sandálias fáceis de serem retiradas e se desse já sairia sem as calcinhas. Era uma gata no cio.
O som gritava além de seus ouvidos, mas afinal escutar era o que ela menos queria.
A bunda redonda se esfregava, quase a massageá-lo. Ereção... Ela precisava medir a capacidade de seu poder. No cheiro forte da erva que exalava, difícil era descobrir o que mais roçava....bunda, peitos, boca, língua, corpo. O cara ali servia como termômetro de sua auto estima. Com propósitos específicos...Usou, jogou fora.
Sabia-se ainda jovem, bonita mesmo tendo ultrapassado a marca dos trinta. Era uma beleza madura beirando os quarenta. Mantinha com esforço o corpo esguio. Alta, magra, cabelos lisos...cheirava aparente liberdade. Na verdade tudo nela era aparente, incluindo-se a suposta alegria.
Iludia-se na inútil sensação de ser única!
Dentro, um buraco arranhava com garras qualquer grama de felicidade, a falta era desproporcional a qualquer medida e Fanny, sequer sabia o porquê! Sentia o coração espetando, como se recebesse a cada instante, pequenas estocadas que o fazia sangrar. Era uma dor intermitente, mas pensar nela? Ah! Isso não se permitiria. Sofrer era uma palavra riscada de seu vocabulário interno. Preferia ser mulher fácil.. Fácil mesmo! Dessas que todo mundo pega. Prazer? Ora.. Prazer é ouvir palavras mentirosas, que soam como açúcar mesmo no fogo alto. Queimam, mas eu desligo antes.... Puxo um fumo, bebo aguardente.. Puro álcool.. que importa...
Quando se permitia era exatamente isto que pensava...
Ria às gargalhadas e rebolava a bunda no falo pensando: Sou gostosa... Gostosa!
A medida de sua felicidade estava no número de olhares a tocar seu corpo... Dizia pra si mesma: Dou e daí? É meu, dou mesmo!
Fanny dava diariamente uma carne putrefata, nem sabor, pois que estava no freezer com tempero congelado, com alho esturricado e depois que ia ao micro, muitas vezes estava insossa e esverdeada...
Iludia-se com a garrafa à mão dizendo: Quem quer sabor? Importa é que pareço...



RJ – 10/12/2006
** Gaivota **

7 comentários:

Julio Satyro disse...

genial amigo gaivota,
texto ótimo
idéia brilhante
o contexto é propício...

Anônimo disse...

A imagem é cheiro de cio / o que pode aparecer / espio / mas um aviso em letras minúsculas:/ cuidado! veja nas entrelinhas o que tem nas entremeias...
Ótimo texto! Parabéns! Um abraço...

Anônimo disse...

Demais! Teus contos me fazem soluçar, tipo "hic" de bebum. Hehehehehe.

Anônimo disse...

“carne putrefata”, “Preferia ser mulher fácil. Fácil mesmo! Dessas que todo mundo pega”, “Puxo um fumo, bebo aguardente.. Puro álcool... que importa...”

Quanto moralismo para um poeta! Ainda mais um ‘poeta-gaivota’, símbolo do espírito livre de amarras e de valores tão antiquados.

Lembrou-me até o guardião londrinense dos valores da família brasileira: "Ô, cara! Ô, cara! A menininha quer daaaaaaaar, cara! Ela dá um tapa na macaca e depois vai se esfregar no sujeito, cara!"

Bom texto, mas carregado de moralismo com cheirinho de bolor...

** Gaivota ** disse...
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** Gaivota ** disse...

Não tinha onde comentar ...Dalborga... então comento aqui mesmo. Se há algo q não sou é moralista.. acho q vc não entendeu " a moral " da história. Existe o sexo pelo sexo. Mas falo de essência, liberdade, e vazios.. Aqui é o vazio que reina.. O sexo é usado apenas pra preencher vazios.. E o vazio é negro e sem saída. Eu entendo do assunto pq profissionalmente esta é minha área.
Quando o sexo transmite prazer a liberdade é total. Sugiro q leio os outros poemas do blog pq coloquei muitos onde o sexo é um vôo razante no horizonte do desejo.
abs

Unknown disse...

Gostei muito, agora que ja tenho o seu endereço vou vir sempre ler seus textos.

Quando li a crônica, me lembrei de uma música do chico buarque, FOLHETIM, que conta sobre uma mulher que sempre diz sim, aquela que recebe um corte de cetim, que está a fim de apenas uma noitada boa, que diz que ama num dia e no dia seguinte vira a página do calendário pronta para um outro amor...

um dia me chamaram de mulher-folhetim, e me assustei, porque por mais que eu ame a liberdade, que goste de sexo e saiba que as vezes precisamos apenas de corpos e não de sentimentos, me vi perdendo alguns valores importantes para se construir relacionamentos...

quando me vi mulher-folhetim foi tempo de começar a voltar para arrumar a casa, resgatar valores e perseguir o que eu queria de verdade, amar e não dizer que ama por uma noite apenas.

na verdade, eu quero amar todas as noites a mesma pessoa. E fui buscar isso, e essa busca não cessou, a casa tá sendo arrumada, não mais para um hóspede, e sim para o dono dela.